"Janelinhas
para o Mundo" -
reflexões,
contos, crônicas: cenas de uma infância inesquecícel.
Uma mulher “estérica” Oriza Martins Pinto
À medida que crescia em conhecimentos, em discernimento, Isa não
mais se conformava em sentir alguma dúvida. Ia à luta. Perguntava,
pesquisava.
Um dia, assistiu a um diálogo entre sua mãe e uma vizinha. Ambas falavam a respeito de uma jovem da cidade, a qual havia “se perdido” com o namorado e, agora, era uma mulher de vida-livre. - Dizem que ela é “estérica”, - disse a vizinha. Dona Bila arregalou os olhos: - É mesmo?! A pequena Isa interferiu, curiosa: - O que é uma mulher “estérica”? Dona Bila cortou a conversa: - Quieta, Isa! Isto não é assunto para você! Isa retirou-se, continuando a ouvir a conversa através da porta entreaberta. - Então, ela é “estérica”... – murmurava, admirada, Dona Bila. - É verdade! As mulheres “estéricas” precisam de vários homens para se satisfazer, - completou a vizinha. – Ela é assim. - Mas, então, como foi que ela engravidou? Dizem que as “estéricas” precisam ter vários homens, mas não conseguem engravidar! – indagou, perturbada, Dona Bila. O diálogo entre Dona Bila e a vizinha continuou por algum tempo, presenciado, em surdina, pela pequena Isa. A menina, com a curiosidade aguçada, decidiu-se a pesquisar mais o assunto. Através daquela conversa enviesada, ficara sabendo que as “estéricas” necessitam de vários homens para se satisfazer e que não conseguem engravidar. Passou-se muito tempo até que a pequena Isa compreendesse a verdade. A ignorância e o senso-comum, muitas vezes, caminham lado-a-lado, podendo apresentar esses reflexos enviesados do conhecimento científico. Um dia, Isa compreendeu que ambas – sua mãe e a vizinha -, conversavam a respeito de dois conceitos distintos: histeria e esterilidade. Os conhecimentos de ambas, entretanto, eram produtos do universo cultural em que estavam inseridas. Ambos os conceitos se fundiam, ou melhor, se confundiam, como resultado do saber-popular. Provavelmente a moça da qual falavam, era considerada “histérica”, de um ponto de vista sexual, tal como vulgarmente se convenciona chamar determinadas pessoas que manifestam algum tipo de comportamento diferenciado. A histeria, embora popularmente possa se traduzir por irritação, por nervosismo, insere-se em um campo de conhecimento muito mais amplo - na medicina, na psicanálise -, caracterizando-se por neuroses que se apresentam através da transformação de conflitos psicológicos em sintomas orgânicos, não necessariamente sexuais. Ao mesmo tempo, elas conversavam sobre esterilidade feminina, ou seja, a respeito de mulheres estéreis, que, por alguma razão biológica, não conseguem engravidar. Uma mulher pode, portanto, ser histérica, sem ser estéril e vice-versa, mas, no saber-popular revelado por ambas, os conceitos de fundiram, resumidamente, em “estérica”. Aos poucos, a pequena Isa foi compreendendo as diferenças entre os vários tipos de conhecimentos e, sem desvalorizar o saber-popular, percebia a importância de se possibilitar universalização do acesso ao conhecimento científico às populações em geral, numa busca de melhoria da qualidade de vida, para a humanidade, em todos os seus aspectos. ![]() |